sexta-feira, 2 de novembro de 2012

VATICANO II,PATROMÔNIO COMUM.

O Concílio é patrimônio de todos. O Vaticano II se assemelha muito à visão obediente e audaz daquele papa eleito velho, para que fosse de transição: e que realmente foi "de transição".

A análise é Alberto Melloni, historiador da Igreja italiano, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação João XXIII de Ciências Religiosas de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 10-10-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Todos notaram. A 50 anos do seu início (11 de outubro de 1962), o Vaticano II ainda é capaz de apaixonar a Igreja viva. Uma paixão às vezes confusa, porque tudo – graça, catástrofe, sopro, crise, dom, promessa, traição, porta, complô, reforma, bússola, engano – foi dito sobre o Concílio, como se não existisse uma consistência histórica, como se não fosse justamente essa realidade "permista" o ponto de unidade de todos.

Assim, no fim, desse lago de categorias com pernas curtas, algumas palavras do Papa Roncalli (o Angelo Vecchione nos versos de Pasolini) reflorescem para contar o Concílio com uma visão serena: o salto para a frente, o novo Pentecostes, a pastoralidade, a paz, a unidade. Palavras que devem ser cuidadosamente limpas das minimizações e dos esquematismos que às vezes lhes capturaram.

O que, senão um redutivismo, espremeu um sínodo da "communio" e da colegialidade, ao qual o papa concede que pode ser discutido "livremente" por nada menos do que uma hora por dia? O que transformou a eclesiologia eucarística em um ritualismo pontiagudo ou as celebrações comuns em um lugar em que um grupo ou um líder colocam-se no centro? Não é uma minimização o fato de ter reduzido a Bíblia, recém-voltada do exílio, a ginástica de discursos fervorosos? Ou não seria uma moda aquela que, explorando em má-fé a eclesiologia de Bento XVI, tentou raspar a "extensão" (palavras de Scola) do evento conciliar?

Mas essas reduções e as dicotomias aventadas – espírito contra letra, traição contra abuso, continuidade contra descontinuidade, corpus contra relato – avalizam somente a primeira figura roncalliana sobre o Concílio, a do "novo Pentecostes", na qual, como na primeira, muitos que veem uma Igreja capaz de falar as línguas dos homens, se perguntam: "Mas estes estão bêbados?".

Ao invés, para João XXIII, que o concebeu, o Concílio era algo "necessário", para tornar o magistério coerente com a sua "índole" precipuamente pastoral: isto é, capaz de "encarregar-se do destinatário", dizem os teólogos; mas só as mães – incluindo a Igreja – sabem o que significa encarregar-se e quanta escuta insone merece esse destinatário que caminhará na vida buscando outra escuta e não uma religiosidade pré-pronta.

"Um grande dia de paz": esse era o Vaticano II para Roncalli, no reconhecimento a um tempo duro, mas que havia restituído ao papado o dom de se comover ao se ouvir dizer: "Tu és o nosso bispo, o bispo de Roma". E desse lema ele havia encontrado um retrato inigualável do ministério petrino: "A minha pessoa não conta nada: é um irmão que fala com vocês, um irmão que se tornou pai por vontade do nosso Senhor, mas tudo junto, paternidade e fraternidade, é graça de Deus, tudo, tudo!".

Um "época em que somos sensíveis às vozes do alto" e da qual a prova é dada pela terna exceção ao ordinário do amor, que acrescenta uma carícia a mais para as crianças: lá se colocava o Concílio e se coloca a sua fecundidade atual.

Neste outubro 50 depois, o Concílio retorna. Fez-se lembrar, conhecer. Julga todas as palavras astutas que deveriam ganhar, em corridas mesquinhas, um mesquinho avanço rumo a metas mais fátuas. Consola os caminhos penosos de quem geme o gemido da condição humana, sem nem mesmo quem tece com esses gemidos inefáveis o louvor de quem não está distante de ninguém. Acende uma sede ardente de perguntas sem fim em quem acolhe, mesmo que por um segundo, com ou sem mediação cultural, o Evangelho como Evangelho.

Pensamos naqueles que têm como tarefa não a de mediar entre facções ou de explorar as suas intemperanças, mas sim de conservar na Igreja a unidade da qual o Vaticano II foi a epifania. E ainda o é agora. A Igreja de hoje, de fato, não está dividida em duas metades, como às vezes se tende a fazer acreditar: metade contente com o Concílio, metade descontente; e nem mesmo é feita de duas minorias de papistas e de rebeldes que, para competir o consenso entre si, podem fazer de tudo e dizer de tudo.

A Igreja é, na sua inteireza, a do Concílio: com nuances, graduações, retrocessos que têm razões e histórias bem legíveis, mas que não apagam o fato de que somos testemunhas nesse cinquentenário. Isto é, que o Concílio é patrimônio de todos: a tal ponto que até mesmo os mais teimosos tradicionalistas querem o rito de São Pio V, porque até mesmo para eles o ato de celebrar é norma que gera comunidade, e não mais um sussurro distante a se misturar com o terço; e o imenso rebanho das paróquias, muitas vezes ignoradas em favor de efervescências mais visíveis e mais efêmeras, vive o seu testemunho de pobreza e de alegria.

Visto assim, o Vaticano II se assemelha muito à visão obediente e audaz daquele papa eleito velho para que fosse de transição: e que realmente foi "de transição".

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