quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O BOI DO MANEZINHO.

COISAS DE SANTO ANTÔNIO DE ANLENQUER
O boi do Manezinho

O rol das historinhas sobre Santo Antônio e seus devotos alenquerenses é gigantesco e cheio de humor alegre. De um modo geral, os fatos contados transmitem um sentimento profundo de segurança e liberdade do devoto, assim como a presteza imediata do Santo. Este relacionamento do Santo com o Homem ou do Homem com o Santo, mostra um processo espiritual de convivência familiar íntima, fraterna, respeitosa, sincera, de igual para igual, que não leva em conta o nível cultural, nem social, tampouco riqueza. Só confiança no amigo e pronto. Veja o fato a seguir:
A festa de Santo Antônio, ao longo do tempo, passou por inúmeras modificações na parte profana. Diziam os alenquerenses mais antigos que o evento começou a ser festejado anualmente na cidade a partir da chegada do padre italiano Secundo Bruzzi, em 1900, e a animação do arraial dependia da safra de Castanha. Se a safra fosse maior do que a anterior, assim também seria a participação popular nas festividades.
Em 1918 o mundo inteiro vivia os horrores da I Guerra Mundial e o governo do Brasil, que se conservara neutro até 1917, resolveu entrar no conflito, deflagrando em todo território nacional a convocação através de sorteio dos jovens até 21 anos para o serviço militar. Além da guerra havia o temor da gripe espanhola, que estava matando muita gente e se alastrava no país. Esses dois flagelos, que castigavam o mundo inteiro, influenciaram sobremaneira o povo pacato e hospitaleiro de Alenquer, principalmente os pais com filhos em idade de serviço militar.
Nesse ano a safra de castanha foi recorde no município, em compensação a enchente do Rio Amazonas foi forte demais, que alagou fazendas inteiras de gado e entrou na frente da cidade deixando em polvorosa a população ribeirinha. Os abastados comerciantes da rua da frente costumavam construir banheiros flutuantes para acompanhar a subida e a descida do rio exclusivamente para uso de seus familiares.
Manuel Bentes da Silva, um jovem de 18 anos, para fugir de uma provável convocação do exército, pois como soldado poderia ir para a guerra, e se não morresse na guerra poderia contrair a gripe espanhola, incentivado pela mãe, prometeu a Santo Antônio que se o livrasse do sorteio da convocação ofertaria um boi para o leilão do dia 13 de junho, o que era costume acontecer logo após da missa solene das oito horas da manhã.
Os interessados pelas ofertas a Santo Antônio compareciam ao leilão de terno e gravata, chapéu panamá na cabeça, sapatos engraxados, e, se casados, acompanhados das respectivas esposas e filhos também trajados a rigor. Os ditos, enquanto aguardavam o desfile dos animais para serem leiloados, concentravam-se sob uma ramada erguida provisoriamente em frente à capela, saboreando chocolate quente e bolo engorda-marido, que eram servidos em xícaras de porcelana.
Como não foi convocado, Manezinho "Couro Seco", como era também conhecido o jovem Manuel, trouxe do Cucuí o maior boi da região, que na hora de desfilar na frente dos arrematadores, causou o maior alvoroço até então acontecido durante um leilão do Santo. Pois, mesmo preso em duas cordas de couro trançado, com facilidade dominou os vaqueiros, sendo um o próprio Manezinho.
O "Boi Araçá", assim era chamado o prometido, derrubou uma parte da capela, destruiu postes de lampeões de gás carbureto, que servia para iluminar o arraial durante a noite, arrancou a ramada derrubando mesa de bolo e chocolate no chão, botando todo mundo para correr, e rumou na direção do rio, pondo abaixo um banheiro construído do meio da rua alagada e onde duas donzelas tomavam banho. A multidão dispersa e protegida por trás ou em cima das árvores do largo, assistia apavorada aos estragos que o boi fazia...
O boi continuou sua rebeldia no rumo do bairro da Luanda com os vaqueiros e a meninada gritando e correndo atrás. Raimundo Coroca, vaqueiro que jamais se afastava do cavalo mesmo em tempo de festa, tomou para si aquela empreita e saiu atrás. Finalmente, o bovino foi dominado e conduzido pelo experiente vaqueiro para o local do leilão, onde os arrematadores tornaram a se concentrar.
Manezinho, molhado e sujo de lama, cansado de tanto correr atrás do boi, humildemente, aproximou-se do padre e disse:
- Padre mestre, pode providenciar o leilão que o bitelo já está preso!...
- Meu filho, respondeu o padre com cara de compreensão, da próxima vez que fizeres promessa a Santo Antônio, promete uma rês, que seja fácil de se dominar, como um mamote, quem sabe uma vitela, até mesmo um bezerro...
Os problemas causados pelo boi do Manezinho foram de significativa importância para o futuro religioso e visual da cidade. A partir desse incidente o padre lançou uma campanha para a construção da nova igreja. O povo logo aderiu à campanha e em 1926 foi inaugurada a imponente igreja matriz de Santo Antônio de Alenquer.
Esta é uma homenagem a estes nossos fervorosos antepassados. Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo eternamente!...

Diácono Eliezer Martins
Arquidiocese de Belém, Pará, Amazônia do Brasil

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