quinta-feira, 31 de março de 2011

Resposta ao e-mail do Diac. Marcus Soares

AO DIÁCONO MARCUS SOARES

Quero antes de tudo, agradecer a você pela leitura do texto e por se manifestar respondendo-me. Diz o ditado popular “a unanimidade é burra”. Isso faz com que a humanidade se torne madura e completa.
Antes de comentar a respeito do seu e-mail, quero dizer que, já penso ter ouvido tudo o que você me escreveu. É incrível a semelhança das palavras.

Mas, vamos a alguns pontos de seu e-mail.

Primeiro: Você abre o mesmo escrevendo: “Após ler o seu desabafo...” e conclui “a sua contestação...”. Acredito que talvez você tenha lido o texto depressa demais e não se apercebeu do contexto.
Desabafo é expressar o que se sente ou pensa é descarregar. Contestação é contradizer alguém, debater contra a idéia de outrem.
Veja, em meu texto não há nem uma coisa e nem outra. Observe o que escrevi: “Quero partilhar com vocês, meus irmãos diáconos, algo que aconteceu na noite de Natal”.

Eu escrevi “partilhar” algo que aconteceu comigo, ou seja, fazer partilha fazer os meus irmãos diáconos também terem parte comigo no acontecimento, no ocorrido, no fato.
Para que possa ocorrer isso é necessário o relato do ocorrido. Mesmo porque eu passei as informações do fato e não a experiência, porque a experiência foi eu quem viveu e ela eu não posso transmitir, pois foi vivida por mim.
Quis, portanto não desabafar muito menos contestar, mas, partilhar um relato ocorrido.

Segundo: Você diz que há “uma preocupação que em nossas comunidades o domingo fique centrado somente então na celebração da palavra”. Diácono Marcus, se você poder um dia desses passar um domingo inteiro aqui nas áreas de Ananindeua, Marituba, Benfica, Santa Bárbara, Mosqueiro, você iria perceber como é grande, eu até diria, enorme a quantidade de comunidades espalhadas em ramais, vilarejos e pequenas colônias.

Vou lembrar você o que escrevi em meu texto: “É humanamente impossível um ou dois sacerdotes atender a tão grande necessidade”. Já tive a oportunidade de ver sacerdote descendo de seu carro vestido “literalmente”. Foi descer do carro e ir direto para o presbitério celebrar a Santa Missa, isso porque já vinha atrasado da Matriz. Será que é isso que Deus quer? Você sabe, como eu sei que, o sacerdote pode celebrar até três missas no dia segundo o código de direito canônico. Querido Marcus, nossos irmão padres de periferia celebram até cinco missas aos domingos, às vezes, uma após a outra, não tem nem tempo de beberem um suco, uma água ou fazerem um breve lanche.
Como não atender uma solicitação, um pedido de socorro de um sacerdote que já celebrou 4, 5 missas? Como dizer não a um sacerdote que é antes de tudo “ser humano”?

Como também me reportei em meu texto, se vamos até as periferias, as comunidades distantes é porque o sacerdote nos chamou nos autorizou a celebrar a “palavra com a eucaristia”.
Sei que sua preocupação é que talvez estejamos envolvidos somente com a celebração da palavra. Mas a presença do diácono na comunidade não é somente a palavra, mas, um conjunto composto por vários elementos.

Vou lhe fazer uma pergunta: É melhor deixar esse povão todo no domingo o dia do Senhor sem a palavra e a eucaristia, com nossas capelas fechadas ou levar-lhes a alegria da “palavra que lava a alma da igreja” e a “eucaristia que nutre, alimenta o espírito do cristão?”
Imagine comigo, nossas periferias estão repletas de “igrejas” de outras denominações religiosas, um verdadeiro pluralismo religioso. Estas “igrejas” estão abertas de domingo a domingo e nós, com nossas capelas fechadas porque, o padre não pode ir, não era o dia dele naquela comunidade. Só se o padre fosse mutante para estar em vários lugares ao mesmo tempo, como ele não é ele é “ser humano”, ou está aqui ou ali.

Você coloca em seu e-mail que a realização da celebração da palavra aos domingos nas comunidades “não é dinamismo e nem objetividade”.
Penso que, dinamismo e objetividade são não deixarmos as nossas capelas fechadas, é não ficarmos de braços cruzados, é não servimos somente de “bibelô” de altar.
Dinamismo e objetividade são “arregaçarmos as mangas” e irmos ao encontro do irmão, é deixarmos de “pescar em aquário”, é não deixar as famílias sem se reunirem no domingo porque a capela que eles têm tanto zelo está fechada por falta de padre.
Como levar esse conjunto de doutrinas, ensinamentos chamado dinamismo, como edificar a fé com a energia espiritual, como movimentar nosso povo se eles estiverem sem a presença de um orientador espiritual ou se as capelas estiverem fechadas por causa da não presença do sacerdote?
Dinamismo é ter a motivação e a coragem de enfrentar os desafios e lançar-se em águas mais profundas. É deixar o comodismo das nossas sacristias, é deixar de falar o que não deve é deixar a preguiça e o nosso mundinho e corre ao encontro dos necessitados, dos pobres. Dinamismo é colocar-se a serviço do Reino de Deus, é ir onde a demanda se faz necessário.
Objetividade é ser prático, direto, positivo é ter mudança de atitude e não esperar que te mandem fazer é ter como escopo os pobres e excluídos, afinal, não foi esse o objetivo do Cristo?

Terceiro: Você escreveu: “é incompatível, falta grave e alheia aos ensinamentos da igreja”, ainda se referindo a sua preocupação com a celebração da palavra aos domingos nas comunidades, nas pequenas comunidades de nossa periferia.
Concordo plenamente com sua preocupação. Mas não basta ficar só preocupado, temos de ter atitude ou como dizem hoje os homens do mercado de negócios, devemos ser “pró-ativos”, ou seja, ter iniciativa, atitude e não ficarmos somente nos lamentando.
“Não temos padre e agora?” – “O padre não vem mais, temos que fechar a capela a comunidade!” Claro que não. Não podemos ficar passivos, nos lamentado, mas sim, irmos em frente, buscando encontrar soluções nem que sejam as paliativas para depois sob a devida orientação de nosso Arcebispo vermos como ficam as coisas.

Pergunto-te caro irmão diácono Marcus: Mas, o que fazer então diante de sua preocupação expressa no e-mail? Será que como em um passe de mágica podemos trazer todos os sacerdotes da Europa, África, Estados Unidos para suprir a demanda de nossa Igreja aqui na Amazônia? Claro que não!
Eu particularmente estou muito feliz e esperançoso com que vem fazendo nosso arcebispo Dom Alberto. A preocupação do mesmo em aumentar o número de paróquias, diminuindo automaticamente o número de comunidades e assim possibilitando a presença do “pastor de almas”, o sacerdote mais próximo de seu rebanho. É visível a preocupação de nosso arcebispo em manter muito mais próximos, “pastor” e “rebanho” ao criar novas paróquias. Tenho rezado muito por ele para que possa o mais breve de tempo possível concretizar seu sonho de termos até 2014 cem paróquias em nossa arquidiocese.

Quarto: Você diz que “qualquer comunidade em nossa cidade não fica a mais de 10/15 minutos de ônibus para a paróquia onde a missa do domingo é celebrada...”.
Eu penso que talvez pelo pouco tempo de ordenado, apenas sete meses, você ainda não tenha tido a oportunidade de conhecer a realidade de nossas paróquias de periferia.
Deixa-me colocar algumas situações que você ainda não conhece: Temos, por exemplo, a paróquia de Sta. Edwirgens no Panorama XXI. A mesma tem várias comunidades espalhadas para dentro do bairro do Una no coqueiro. É completamente contra mão para chegar de um lado para o outro. Para que você saia da comunidade e vá até a Matriz é necessário entre ida e volta quatro ônibus, dois de ida e dois de volta, isso para uma única pessoa, agora, imagina para uma família de 4 ou 5 pessoas?
Nosso arcebispo sendo bastante sensível a esse problema, já autorizou a criação de uma paróquia no Una que vai aliviar um pouco o transtorno dos nossos irmãos católicos no que diz respeito a deslocamento. Será criada a paróquia de São Miguel. Não tenho certeza absoluta, mas, esta comunidade que irá ser paróquia já iniciará com quatro comunidades. Requer confirmação.

Outro exemplo: a paróquia de Menino Deus em Marituba, localizada nas margens da BR-3l6, tem comunidades dentro da área do “pato macho” na alça viária, cerca de 2 a 3 Km para dentro em direção a alça, sem a possibilidade de uma linha de ônibus regular.

A paróquia Sto. Inácio de Loiola no Icuí-Laranjeira, tem comunidades de tão difícil acesso, que só se chega a pé. Nem carro, nem moto, conseguem entrar, nosso povo caminha em cima de pontes.
Não vamos muito longe, as paróquias de Icoaraci e Outeiro. Você sabe em Icoaraci onde fica o “buraco fundo?”

Há meu querido diácono Marcus, termos sim, mas, em Belém, comunidades com 10/15 minutos de ônibus. É uma realidade completamente diferente dos lugares aqui citados entre outros que não citei. Em Benfica e Benevides, por exemplo, temos comunidades dentro de colônias a 3, 4 km da Matriz. Comunidades de difícil acesso.
É por isso que o “pobre” do sacerdote pede socorro para os diáconos ou para os ministros extraordinários da comunhão para ir até as comunidades.

Quinto: Conheço todos os cânones citados em seu e-mail e me solidarizo com a sua preocupação como já me manifestei anteriormente, mas, em momento algum eu fiz apologia a favor da “celebração da palavra” em detrimento a “Santa Missa”, por favor!
Como já escrevi, penso que, na pressa em ler o texto você não se deu conta do contexto. Eu escrevi: “não queremos ofuscar aquilo que temos de mais sagrado, a Santa e Abençoada Eucaristia”, isto porque, não sou padre, nem meio padre e nem pretendo ocupar o lugar do padre. Sou apenas um servidor de Cristo e de sua Igreja ao qual amo de forma incomensurável. Sou pecador, fraco, limitado, procurando viver minha vocação junto aos irmãos cristãos.

Você diz ainda no seu e-mail que existe um “número grande de ministros extraordinários da comunhão para isso”, ou seja, para o “atendimento” aos doentes e enfermos. Desculpe-me, mas uma vez. Agora sim, agora eu vou “contestar”.
Diác. Marcus, em Belém, na cidade de Belém têm sim, até em determinadas situações, mais ministros extraordinários da comunhão no presbitério na hora da missa do que fiéis na igreja.
Agora, não se iluda, temos comunidades onde não há ministros extraordinários de nada. Mas da metade da população é semi-analfabeta, só sabem assinar o nome e nada mais.
Chegue por exemplo em comunidades de colônias como nas paróquias de Santa Bárbara, Mosqueiro e Benevides. O que movimenta, anima e incentiva a comunidade é à força do Espírito Santo e o ardor missionário de um povo temente a Deus, que ama Jesus cristo e sua igreja, realizando as coisas sob a orientação do Espírito Santo.
É impressionante ver um homem ou uma mulher que nunca sentaram em um banco de escola discorrer, verbalizar sobre o evangelho como um verdadeiro “doutor”, chego até a me emocionar. Isso me edifica me faz crescer mais espiritualmente ao lado dos meus irmãos. É por isso que não podemos deixar nossos irmãos sozinhos no domingo na falta do padre e levar aos mesmos a Santa Eucaristia e a Palavra de Deus.

Você escreve que nas paróquias “a missa do domingo é celebrada em vários horários para atender a todas as necessidades”. Decididamente vejo que realmente você não conhece as nossas paróquias de periferia.
Em Belém, você tem a celebração eucarística sim em vários horários, pode até escolher o horário das 12:00 h. mas, na periferia isso não existe porque o padre tem que atender as suas comunidades.
Outro ponto que você coloca é que somente as comunidades ribeirinhas estão “liberadas” para a celebração da palavra na falta do sacerdote.
Diácono Marcus, no recente Documento de Aparecida, os Bispos Latino-Americano e do Caribe, não especificaram nada disso. Eles não amarraram a palavra “ribeirinhos”, pelo contrário, eles expandiram, elas saem de um estado “ad intra” para ad extra”. Vejamos o que diz o Doc. De Aparecida no número 253, página 118 que está em meu texto enviado. “Com profundo afeto pastoral, queremos dizer às milhares de comunidades com seus milhões de membros, que não têm a oportunidade de participar da Eucaristia dominical, que também elas podem e devem viver ‘segundo o domingo’. Podem alimentar seu já admirável espírito missionário participando da ‘celebração dominical da palavra’, que se faz presente no Mistério Pascal...”. Isto é a Igreja ad extra, dinâmica que, mostra que o fiel cristão, não é um simples objeto, onde ele se senta e ouvi, ajoelha-se e recebe a Sagrada Eucaristia, mete a mão no bolso para dar a oferta ou o dízimo. A igreja a partir disso mostra que o fiel cristão é pessoa é ser e que ela, Igreja, está preocupada com o ser humano em seus aspectos espiritual e social.

Quanto a ter que levar tudo que escrevo ao conhecimento de nosso arcebispo, como você sugeriu, me desculpe, mais penso ser, falta de maturidade, meninice, falta de dinamismo e objetividade.
Você não acha que o nosso Arcebispo já tem muitas coisas com mais urgência para se preocupar do que com um texto escrito por um diácono partilhando suas andanças junto ao “povo de Deus?”. Afinal de contas você inicia o seu e-mail dizendo “não há preocupação com isso (protestanização da igreja católica), principalmente oriunda dos diáconos de nossa arquidiocese”. Não sei então porque tanto alarde em relação a este texto especificamente, é igual a tantos outros que escrevo e envio para vocês relatando minhas experiências dentro das comunidades de periferia.

Diácono Marcus, parece que cometi o maior de todos os pecados. Alguns dos meus irmãos diáconos daqui da nossa arquidiocese me bombardearam, criticando o texto e me chamando com alguns adjetivos que prefiro nem escrever.
Por outro lado, meus irmãos diáconos do sul-sudeste do Brasil, da Argentina, do Chile e do Uruguai, agradeceram por eu partilhar com eles minha experiência junto ao “povo de Deus”. Para minha surpresa até Dom Orani pediu para divulgar o texto entre os seus diáconos, e vai colocar no site dos mesmos.
Para mim, poder o Bispo da segunda cidade mais importante do país, pedir para divulgar um texto de minha autoria, em sua arquidiocese, em nada me enaltece ou me glorifica. Paulo diz em 1 Cor. 10,31 “Quer comais, quer bebais quer façais qualquer coisa fazei para a glória do Senhor”.

Querido Marcus, amo a Eucaristia, como a igreja e igreja que sou, vivo da Eucaristia e jamais serei capas de levar quem quer que seja a trocar a Eucaristia, pela celebração da palavra. Não cai de pára-quedas na igreja, eu tenho toda uma história. Fui criado praticamente dentro de um convento desde os meus oito anos de idade até perto de me casar, já vi, ouvi e aprendi muito com meus irmãos sacerdotes. Tive dois tios sacerdotes, ambos irmãos de meu pai. Tenho primo padre e duas tias freiras, portanto, eu sei onde piso. Agora é bom lembrar que o Doc. Dei Verbum diz: “Venerai a palavra com a mesma intensidade que se venera a eucaristia”.


Que Deus nos abençoe que Maria de Nazaré nos proteja com o seu manto sagrado e que possamos sempre estar trocando experiências uns com os outros sob a luz e unção do Espírito Santo de Deus.



Diácono Luiz Gonzaga
Arquidiocese de Belém – Pará – Amazônia – Brasil
diaconoluizgonzaga@gmail.com

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